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Abril Indígena 2025, realizado na UFG, fortalece o protagonismo e a presença dos povos indígenas no espaço universitário

Por uma Geografia Indígena: ancestralidade, presença e resistência – Saberes Indígenas, Antropoceno e Emergência Climática

Por Liliene R. dos Santos, 25 de maio de 2025.

 

O Abril Indígena 2025 na UFG foi promovido pela Diretoria de Ações Afirmativas da Secretaria de Inclusão (DAAF/SIN/UFG), em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGEO) do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA/UFG). A programação foi construída de forma coletiva, com destaque para a articulação indígena que compôs a organização do evento.

Foi um momento de visibilizar a diversidade cultural dos povos indígenas, valorizando seus saberes, sua resistência histórica e suas reivindicações contemporâneas. É importante destacar que as atividades do Abril Indígena também integraram a programação da Semana dos Povos Indígenas, realizada pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), em parceria com outras instituições de ensino e pesquisa.

Na UFG, as atividades do Abril Indígena ocorreram entre os dias 22 e 26 de abril de 2025, envolvendo diferentes espaços da universidade, como o Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação (CEPAE/UFG), o Instituto de Estudos Socioambientais (IESA/UFG), a Faculdade de História (FH/UFG) e a Faculdade de Educação Física e Dança (FEFD/UFG). A diversidade de locais e ações foi destacada na entrevista concedida à TV UFG, no programa Mundo UFG, episódio especial Abril Indígena: saber ancestral, justiça climática e transformação social, pela professora Ana Paula Purcina Baumann, Diretora de Ações Afirmativas da SIN/UFG e docente do Núcleo Takinahaky, e pela estudante indígena Jordana Ce Bororo, do curso de Nutrição da FANUT. Durante a entrevista, foi apresentada a programação do evento com ênfase na construção coletiva entre discentes indígenas e parceiros institucionais.

Em entrevista a Isabela Lima, repórter da TV UFG, a discente indígena Jordana Ce Bororo destacou que o evento também teve como objetivo visibilizar os povos indígenas de Goiás, como os Karajá, Tapuia e Avá-Canoeiro, além dos presentes na UFG. E ainda, ressaltou que, no dia 26 de abril, a programação envolveria jogos tradicionais indígenas, como a corrida de tora, a flechada, o futebol e o cabo de guerra. Para Jordana, mais do que competições, o esporte representa momentos de união, interação e fortalecimento coletivo para os povos indígenas.

A professora Ana Paula Purcina acrescentou que o evento foi construído a muitas mãos, com a participação ativa de estudantes indígenas. E que a proposta é pensar a temática indígena ao longo de todo o ano, reconhecendo que a presença desses/as estudantes transforma o cenário universitário e demanda novas metodologias e práticas pedagógicas. Destaca que foram produzidos materiais para divulgação indicando onde estão localizados os/as estudantes indígenas dentro da Universidade. 

A repórter Isabela Lima, pergunta qual é a importância de eventos como esse para reafirmar a participação dos povos indígenas na UFG e na sociedade, e a profª Ana Paula responde que a educação é uma das principais ferramentas na luta pela garantia dos direitos dos povos indígenas, e reforça a importância da ocupação dos espaços acadêmicos e da valorização de suas vivências. Afirma que o evento foi pensado com, para e feito por esses/as estudantes, reforçando seu protagonismo dentro da universidade. 

Nesse sentido, importa apresentar um breve panorama das atividades realizadas durante o Abril Indígena na UFG, destacando como essas ações promoveram o intercâmbio cultural e ampliaram as possibilidades de aproximação de pessoas não indígenas aos saberes ancestrais. Pois, de acordo com levantamento da Secretaria de Inclusão - SIN/UFG, 70% das pessoas que participaram das palestras ocorridas no IESA e na Faculdade de História não pertenciam a povos indígenas, evidenciando o alcance e a relevância das iniciativas para a promoção do diálogo intercultural.

Apresentação Asas de Picadeiro - CEPAE
Apresentação Asas de Picadeiro - CEPAE

Inicialmente, no dia 22 de abril, no Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação - CEPAE/UFG, foi realizado pelo Grupo Asas de Picadeiro,  o espetáculo "Pacha Mama", uma apresentação cultural que utilizou a linguagem do circo e do teatro para destacar a relação sagrada entre os povos indígenas e a Mãe Terra, reforçando a urgência da preservação ambiental.

As atividades do dia 23 de abril de 2025, ocorreram majoritariamente no Instituto de Estudos Socioambientais (IESA/UFG). A programação da manhã teve início com uma apresentação cultural do povo Hunikui, seguida da Mesa 01: intitulada Povos Indígenas de Goiás: Territorialidades, Desafios e Resistência, que contou com a participação dos povos Ava-Canoeiro, Iny e Tapuia. Compuseram a mesa: Kamutaya Silva Ãwa, pedagoga formada pela Universidade Federal do Tocantins e presidenta da Associação do Povo Ãwa (Apãwa), que participou de maneira virtual; Valdirene Leão Gomes Cruz, Cacica da Aldeia Buridina/Carajá, localizada em Aruanã, que também atua como diretora do Colégio Estadual Indígena Maurehi; e o professor Albertino Karajá, docente da mesma instituição. A mediação foi realizada pela professora Eunice Pirkodi, indígena do povo Tapuia do Carretão, docente da área de Ciências da Cultura e vinculada ao Núcleo Takinahaky de Formação Superior Indígena da UFG.

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Evelin Cristina Araújo (IESA)
IESA
Auditório do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA/UFG)
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Integrantes da mesa e da Secretaria de Inclusão

No primeiro momento, a mestranda Evelin Cristina Araújo, idealizadora do evento realizado no Instituto de Estudos Socioambientais (IESA/UFG), mulher indígena do povo Tupinambá de Mayri (Belém-PA), ressaltou a importância da construção coletiva como um princípio que orienta as ações dos povos indígenas. Em sua fala, agradeceu às instituições e grupos que apoiaram a realização do evento, destacando o papel do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA), do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPEGEo), da Secretaria de Inclusão (SIN/UFG), do Laboratório de Estudos de Gênero, Étnico-Raciais e Espacialidades da Universidade Federal de Goiás - LAGENTE e Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação Geográfica - LEPEQ, e da Fundação de Apoio à Pesquisa - FUNAPE. “Tudo o que os povos indígenas fazem é coletivamente”, afirmou Evelin. “Essa luta contracolonial mostra nossa força conjunta, e esse evento é a prova disso. É o primeiro evento no IESA, o que marca um passo importante para tornar visível a presença indígena dentro da universidade.” Evelin é graduada em Geografia Licenciatura pelo IESA/UFG e atualmente é pós-graduanda no PPEGEo. É ativista do movimento indígena, integrante da Coletiva de Mulheres Indígenas e Negras Quilombolas, além de compor a União dos Indígenas Residentes em Goiânia (UNIRG). Para Evelin, o evento reforça a importância da representatividade indígena no espaço acadêmico. “A presença indígena aqui é resistência. Estamos ocupando esses espaços para transformá-los”, concluiu. 

Em seguida, a mesa debateu temas centrais como identidade, educação diferenciada, racismo institucional e a luta por território. Em sua fala, a Cacica Valdirene Leão Gomes Cruz, da Etnia Iny Karajá, relembrou sobre a trajetória de luta pela criação do Colégio Estadual Indígena Maurehi, localizado na Aldeia Buridina, em Aruanã.. E destacou a importância das parcerias que viabilizaram esse processo, especialmente o apoio da professora Maria de Socorro Pimentel, que colaborou com o então cacique da aldeia, seu tio Jacinto Maurehi Karajá, já falecido, na consolidação do projeto. Também lembrou que Albertino Karajá, foi um dos primeiros professores da escola.

A criação do Colégio Estadual Indígena Maurehi, foi movida por um duplo objetivo: preservar e fortalecer a cultura indígena, e ao mesmo tempo, preparar as novas gerações para os desafios contemporâneos. Para isso, surgiu a necessidade de formação docente dentro de uma proposta de educação intercultural, que garantisse o diálogo entre os saberes acadêmicos e os conhecimentos tradicionais dos povos indígenas. 

Foi nesse contexto que jovens da etnia Iny passaram a buscar formação na Universidade Federal de Goiás (UFG), por meio da  Licenciatura Intercultural do Núcleo Takinahaky de Formação Superior de Professores, os/as primeiros/as a ingressarem nessa jornada enfrentaram com coragem o desafio de levar o conhecimento adquirido de volta para suas comunidades, numa verdadeira travessia marcada por resistência e compromisso. No entanto, a Cacica Valdirene alerta que o caminho não foi fácil, muitos/as dessas pessoas não conseguiram permanecer na universidade, devido ao impacto do racismo e da discriminação e isso resultou em casos de abandono, alcoolismo e até suicídio. O processo de formação de professores/as indígenas, portanto, está longe de ser apenas acadêmico, ele envolve um profundo enfrentamento às desigualdades estruturais e à violência simbólica vivida por esses/as estudantes. "Para ser professor/a indígena é preciso resistir muito", afirma Valdirene. E enfatiza que essa trajetória exige força, coragem e compromisso coletivo. Mais que uma profissão, ser educador/a indígena é assumir uma missão de vida, um ato de amor e defesa da memória, da língua e dos modos de vida dos povos originários.

Sugestão de leitura: Nem ressurgidos, nem emergentes: a resistência histórica dos Karajá de Buridina em Aruaná-GO (1980-2006), dissertação de Mestrado da professora Cristiane de Assis Portela.

O professor Albertino Karajá destacou que, para ser professor, é fundamental conhecer a história dos povos indígenas e compreender como se deu a construção do Brasil. Segundo ele, é essencial entender não apenas os fatos históricos, mas também os processos de apagamento, resistência e luta dos povos originários ao longo do tempo. "Só assim é possível ensinar com responsabilidade, respeitando a diversidade e a memória dos que vieram antes de nós", afirmou. 

Como mediadora, a professora Dra. Eunice Pirkodi enfatizou sobre o resultado do epistemicídio dos povos indígenas e sobre a constante luta pela resistência identitária. Em sua fala, questionou: “Quando é que vão parar de nos cobrar que sejamos indígenas exóticos?”

Esse questionamento vem da percepção de que a sociedade exige uma imagem estereotipada dos povos indígenas, cobrando que utilizem cocares e se comportem segundo uma expectativa externa, ignorando os processos históricos violentos que arrancaram culturas, territórios e modos de vida. Eunice Pirkodi lembrou que tudo foi tirado dos povos originários, e agora, paradoxalmente, cobra-se uma identidade que foi esfacelada pela colonização. E ainda, salientou que uma das estratégias históricas do colonizador é "dividir para dominar", enfraquecendo os povos por meio da fragmentação. E citou como exemplo o caso do povo Tapuia do Carretão, que nasceu do processo de aldeamento forçado promovido pela Coroa Portuguesa. O objetivo era específico: “limpar” o território para vendê-lo, expulsando os povos xavantes, conhecidos como guerreiros. Para isso, os colonizadores misturaram os Xavantes com os Caiapós, tradicionalmente inimigos, no que ficou conhecido como Aldeamento Preteci. Mais tarde, também foram levados para esse espaço indígenas da etnia Iny, colocando grupos com línguas, culturas e histórias distintas no mesmo território, em um processo de supressão e tentativa de controle. Outrossim, abordou sobre o apagamento contínuo no campo educacional e denunciou: "Dizem que os indígenas estão abaixando o IDEB de Goiás, mas ninguém quer falar sobre as desigualdades que enfrentamos nas aldeias." Isso gera uma pressão enorme sobre os/as professores, estudantes e toda a comunidade escolar. A professora Eunice destaca: “Temos TV e Wi-Fi, mas pra isso funcionar precisamos de energia. E a energia cai toda hora” A escola enfrenta infraestrutura precária, acesso limitado à internet e instabilidade na energia elétrica. A cobrança por resultados ignora as desigualdades estruturais. Entretanto, as escolas indígenas seguem resistindo, mesmo com recursos inferiores. E resistem, ainda, à lógica que desvaloriza seus saberes, seus tempos e sua forma própria de ensinar e aprender. Isso não é educação com equidade, e sim mais uma forma de invisibilizar a luta dos povos indígenas por reconhecimento, justiça e respeito.

Yebi
Pintura haru - grafismo indígena com Yebi Karajá.

Simultaneamente, a Feira Intercultural abriu suas atividades no Espaço de Convivência do IESA, trazendo exposição de artesanatos indígenas, pintura corporal e ritual do rapé. Também foi realizada uma oficina de grafismo indígena com o discente Yebi Karajá, estudante de Administração (FACE/UFG). O resultado foi uma pintura de origem karajá chamada haru. O haru não é apenas uma pintura, mas uma linguagem visual que comunica valores, história, espiritualidade e identidade do povo Karajá. 

(IESA)
Exibição do curta-metragem Goela Abaixo,

À tarde, o auditório Maria Geralda de Almeida (IESA) foi palco da exibição do curta-metragem "Goela Abaixo", dirigido por Mirna Anaquiri, seguido pelo debate com Lucas Bororo e Coxini Karajá, ambos do curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, Faculdade de Informação e Comunicação (FIC/UFG). No dia 24 de abril, o Espaço de Convivência do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA/UFG) recebeu a Exposição e Feira Intercultural "Saberes e Fazeres Indígenas", que contou com a participação do artista indígena José Alecrim.

Alecrim (IESA)
Alguns dos quadros da Exposição, artista indígena José Alecrim

Na mesma ocasião, foi realizada a Mesa 02: Estudantes Indígenas na Universidade – Presença e Resistência, reunindo importantes vozes do movimento indígena: Evelin Cristina Tupinambá (PPGEO/UFG), Joedson Kariri (SEDUC/CE) e Eliel Benites (Ministério dos Povos Indígenas – Brasília). No dia 25 de abril, as atividades se concentraram no Auditório Lauro Vasconcelos (Faculdade de História - FH/UFG). Inicialmente com apresentação cultural realizada pela apresentação do espetáculo "Pacha Mama", do Grupo Asas de Picadeiro. Em seguida, foi realizada a Mesa 03, mediada por Kiga Boe, com o tema: Trajetórias Acadêmicas Indígenas no Ensino Superior. A mesa foi composta por discentes indígenas da UFG, todas mulheres de diferentes povos e cursos.

No

Abril indígena
Mesa 03: Trajetórias Acadêmicas Indígenas no Ensino Superior
Abril indígena
Auditório Lauro Vasconcelos (Faculdade de História - FH/UFG)
FH
Auditório Lauro Vasconcelos (Faculdade de História - FH/UFG)

 

Ana Kuiaiu Trumai, do Povo Trumai, do Território Indígena do Xingu, estudante de Medicina Veterinária; Jordana Kudugudago, estudante de Nutrição, do povo Boe Bororo, Mato Grosso; Samila Marija Gonçalves, estudante de Filosofia; pertencente ao povo Caixana, na região do Alto Solimões, Amazonas. E a discente Mariana Cibaebo Ekureudo, estudante de Artes Visuais, pertencente ao povo Boe Bororo, Aldeia Meruri. As falas foram marcadas por reflexões potentes sobre os desafios enfrentados por estudantes indígenas no ambiente universitário, destacando a resistência, a afirmação identitária e a importância da representatividade nos espaços acadêmicos.

As discentes indígenas compartilharam experiências pessoais e reflexões sobre seus percursos na universidade.

Samila Marija Gonçalves, estudante de Filosofia, relatou que ingressou na UFG em 2023 por meio do SISU. Em sua fala, destacou como o olhar curioso e muitas vezes estereotipado sobre os povos do Amazonas ainda é recorrente, revelando o desconhecimento e a exotização dos povos indígenas em espaços acadêmicos e fora dele.

Jordana Kudugudago, estudante de Nutrição, ressaltou que, apesar da diversidade entre os povos, há uma causa comum que os une: a luta contra o apagamento das identidades e culturas indígenas. Para Jordana, essa unidade é fundamental para resistir e afirmar a presença indígena nas universidades.

Mariana Ekureudo destacou que esses momentos são importantes para o aprendizado mútuo e para desenvolver a habilidade pessoal de falar em público.

Ana Trumai, compartilhou a origem do seu nome, que representa a união de dois povos originários. E disse, que ingressou na universidade em 2018 pelo programa UFGInclui, e desde então vem construindo sua trajetória acadêmica marcada por desafios, sobretudo no que diz respeito às diferenças culturais. Ana afirmou que ainda existe pouco interesse por parte dos não indígenas em aprender sobre as tradições, costumes e práticas dos povos originários, o que torna o ambiente universitário um espaço de constantes tensões. Salienta, que momentos como esse, de escuta e partilha, são essenciais para desconstruir preconceitos e reafirmar: "Estamos aqui".

Faculdade de História
Mesa 04, intitulada: Mulheres Indígenas pelo Cuidado com a Vida e pela Cura da Terra

No período da tarde, antes da Mesa 04, intitulada: Mulheres Indígenas pelo Cuidado com a Vida e pela Cura da Terra, o grupo de estudantes indígenas protagonizaram a ação Demarcando a UFG com a Presença Indígena, uma intervenção prática que reafirmou a ocupação e a resistência dos povos originários no espaço universitário.

A ação consistiu na afixação de cartazes com mensagens de saudações escritas em diferentes etnias indígenas, além da divulgação de estatísticas atualizadas sobre a presença de estudantes indígenas na Universidade Federal de Goiás (UFG). Os dados apresentados foram levantados pela Diretora de Ações Afirmativas da SIN/UFG, professora Ana Paula Purcina Baumann, vinculada ao (NTFSI) e IME; e abrangem o período de 2007 a 2025 evidenciando a diversidade étnica que tem passado pela instituição ao longo dos anos. O percurso da intervenção foram locais simbólicos do campus, como a Creche da UFG, a Faculdade de Letras (FL/UFG), o Centro de Aulas C, a Faculdade de Comunicação (FIC) e a Faculdade de História (FH), reafirmando a presença indígena na universidade e reforçando a luta por visibilidade, respeito e reconhecimento. No entanto, a afixação desses cartazes continua, e já foram efetivadas em diversos outros espaços, tais como, a Reitoria, Centro de Convivência, EMAC, etc.

O encerramento dos debates da semana aconteceu também na FH/UFG, com a Mesa 04, Mulheres Indígenas pelo Cuidado com a Vida e pela Cura da Terra, mediada pela professora Eunice Pirkodi, Dra. em Direitos Humanos pela UFG, com a participação de Lucas Borobo, discente do curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, reunindo lideranças como Mirna Kambeba Omágua-Yetê Anaquiri, Dra. em Arte e Cultura Visual, pelo Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual da FAV-UFG, Paula Sâmara da S. S. Guajajara, Mestranda em Antropologia Social (PPGAS) e Neide Jereguinha - presidente da Associação indígena Areme Korogedu Paru.

A professora Dra. Mirna Anaquiri salientou sobre a importância do cuidado e do autocuidado. Narrou sobre o surgimento da coletiva de mulheres indígenas e quilombolas durante a pandemia. Segundo Anaquiri, esse grupo nasceu para enfrentar o distanciamento social e as muitas perdas que a pandemia trouxe. No começo, as reuniões eram virtuais e reuniam práticas tradicionais de cuidado, como reza, canto, escalda-pés e artesanato, que envolvia o corpo e também a cultura do povo respectivo. Ressaltou que apesar das muitas demandas, como as lutas por território, saúde e trabalho, é preciso continuar firmes e resistindo com solidariedade. E por isso criou o lema “Descansa, guerreira” pois reforça que, mesmo sendo fortes, essas mulheres também precisam de cuidado e descanso. Para representar essa força, Anaquiri também destacou, a metáfora do Facão do Amor, salientou que o facão é uma ferramenta que abre caminho na mata, serve para cortar o açaí e talhar a madeira e para Anaquiri, nesse cenário, pode significar a abertura de caminhos para o amor, a beleza e o descanso. Afinal, a mulher indígena, que é uma guerreira, também precisa se cuidar.

Paula Guajajara lembra que, pelo olhar do não indígena, os povos originários muitas vezes são vistos como desocupados. Por isso, destaca a importância de ter cautela ao transitar entre diferentes mundos, preservando a identidade e enfrentando os estereótipos. Em outro momento, reflete sobre os dois espaços de trânsito vivenciados por estudantes indígenas — o território e a universidade — e alerta para os desafios em ambos: no território, a invasão compromete a matéria-prima e fragiliza a alimentação; na universidade, a falta de atenção às especificidades culturais relacionadas à alimentação também compromete a segurança alimentar.

Neide Jereguinha ressaltou que, apesar de seu território estar demarcado, continuam ocorrendo invasões de pescadores e caçadores, prejudicando o abastecimento alimentar de seu povo, que depende diretamente dos recursos naturais para sobreviver. Essas invasões impactam os animais, provocando contaminações que causam diversos problemas de saúde. Além disso, denunciou que fazendeiros atearam fogo nas palhas e nos remédios medicinais tradicionais, destruindo não apenas a alimentação dos animais, mas também os saberes ancestrais e as práticas de cura do seu povo. Jerenguinha expressou a profunda preocupação das mulheres guerreiras com as futuras gerações, temendo que, diante da contínua destruição do território, as pessoas jovens fiquem privadas dos conhecimentos tradicionais e dos recursos naturais essenciais à vida. No entanto, destacou que, junto com seu povo, resiste com força e determinação, sem abaixar a cabeça, mantendo a luta pela preservação do território e pela dignidade da sua comunidade.

A mediadora da mesa, a professora Dra. Eunice Pirkodi destacou os desafios enfrentados por estudantes indígenas no ensino superior, com ênfase nas dificuldades relacionadas à permanência na universidade. Ressaltou que, para as mulheres indígenas, existe uma cobrança adicional: é necessário demonstrar para suas comunidades que é possível ser estudante e, ao mesmo tempo, cumprir com as responsabilidades tradicionalmente atribuídas às mulheres em seus contextos culturais. Eunice compartilhou que utiliza as redes sociais como uma ferramenta de prestação de contas à sua comunidade, uma estratégia que encontrou para mostrar que sua atuação na UFG também faz parte da luta pela defesa dos territórios indígenas. 

Sua fala também trouxe reflexões importantes sobre as estratégias que as mulheres indígenas precisam construir para conciliar a vida na comunidade com os desafios do ambiente universitário. Foi apontado, por exemplo, que nas aldeias o valor social da mulher muitas vezes está associado à quantidade de filhos que tem e à formação precoce da família, já que é comum que as mulheres indígenas se casem muito jovens. Por outro lado, na cidade, a mulher é frequentemente valorizada por critérios como dinheiro, status e sobrenome, o que coloca a mulher indígena aldeada em uma posição de constante tensão entre dois mundos. Ao sair da comunidade para estudar, a mulher indígena se vê em um espaço onde precisa buscar estratégias para contornar essas cobranças culturais e sociais. Na comunidade, ela não consegue cumprir o papel tradicional de ter muitos filhos; na cidade, por sua vez, não possui os elementos valorizados socialmente, como recursos financeiros ou um sobrenome reconhecido. Assim, vive um duplo desafio: afirmar sua identidade e valor onde quer que esteja, sem perder o vínculo com sua cultura, mas também enfrentando as exigências do meio urbano e acadêmico. Lembrou, que durante sua graduação no Curso de Educação Intercultural, observou que os/as estudantes indígenas ficavam restritos ao Núcleo Takinahaky, com pouca interação com outras áreas da universidade. A falta de tempo e informações dificultam conhecer o funcionamento da instituição para além do Núcleo. Ao ingressar no mestrado, Pirkodi conta que enfrentou dificuldades adicionais, como a busca por moradia e a falta de recursos financeiros. E ainda, relata que, ao procurar o órgão responsável, não sabia que poderia solicitar moradia, evidenciando a importância da disseminação de informações sobre os direitos e apoios disponíveis. Pirkodi enfatiza o papel fundamental dos coletivos e dos/as discentes veteranos/as indígenas na acolhida e orientação dos/as novos/as estudantes, pois iniciar o diálogo com um "parente" torna o processo mais acessível, facilitando a adaptação e compreensão das políticas institucionais.

A professora da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Dra. Mirna Anaquiri compartilhou uma reflexão sobre sua trajetória e presença na universidade. Contou que, ao longo do seu percurso, muitas vezes ouviu que não tinha o “jeito” de uma mulher acadêmica, mas ressaltou que não deseja se moldar aos padrões impostos. Seu objetivo é construir outros caminhos, por onde pessoas como ela também possam entrar e permanecer.

Anaquiri, revelou que já sofreu racismo e agressões por isso, e que sua principal estratégia de resistência tem sido ser honesta consigo mesma. Enfatiza que não é uma mulher de dois mundos, como costumam rotular pessoas indígenas que transitam entre a aldeia e a cidade, mas sim uma mulher de vários mundos. E é justamente por viver entre essas múltiplas realidades que construiu o que chama de “estratégia do facão” — uma metáfora para a luta diária de abrir caminhos, romper barreiras e possibilitar que mais mulheres transitem pelos diferentes espaços do mundo do jeito que são, sem precisarem negar suas identidades.

Ademais, no dia 26 de abril de 2025, o encerramento do Abril Indígena na Universidade Federal de Goiás (UFG) foi marcado pelos Jogos Interculturais Indígenas, realizados no Ginásio da Faculdade de Educação Física e Dança (FEFD) e no Núcleo de Treinamento Físico e Saúde Integrada (NTFSI), ambos localizados no Campus Samambaia. A programação proporcionou uma rica experiência de intercâmbio cultural, reunindo estudantes indígenas e não indígenas em atividades que celebraram as práticas corporais tradicionais dos povos originários. Entre as modalidades destacaram-se a Flechada, o futebol masculino e feminino, o vôlei, promovendo momentos de lazer, interação e valorização dos saberes ancestrais.

Essas atividades reforçaram o compromisso da UFG com a promoção da diversidade cultural e a inclusão, evidenciando a importância de espaços que fomentem o diálogo entre diferentes culturas no ambiente acadêmico. 

Fotos: Lucas Bororo https://ufg.br/a/abril-indigena-2025

 

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